Os oficiais de Registro Civil de Pessoas Naturais de Mossoró/RN não devem realizar o processamento de reconhecimentos de paternidade ou maternidade socioafetiva que envolvam crianças ou adolescentes com base em um provimento expedido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). É o que recomenda o Ministério Público do Rio Grande do Norte (MPRN), por intermédio da 12ªPromotoria de Justiça de Mossoró, com atribuição para Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente.
O documento do CNJ institui normas para emissão, pelos cartórios de registro civil, de certidão de nascimento, casamento e óbito, que terão obrigatoriamente o número de CPF. Entre as novas regras está a possibilidade de reconhecimento voluntário da maternidade e paternidade socioafetiva. Até então, o reconhecimento só era possível por meio de decisões judiciais ou em poucos estados que adotavam normas específicas.
A recomendação do MPRN destaca que há grande preocupação da magistratura infanto-juvenil protetiva com os efeitos decorrentes desse Ato Normativo. Um dos problemas é em razão do afastamento da atuação jurisdicional na constituição da parentalidade socioafetiva, como também na efetivação de entregas irregulares para adoção.
Para o MPRN, a medida fragiliza “a participação de diversos operadores do direito, colocando a figura do delegatário como a única autoridade apta a autorizar o reconhecimento da paternidade socioafetiva, em detrimento da análise aprofundada sobre os meios de se efetivar o direito fundamental à convivência familiar da criança e do adolescente”.
O inquérito civil instaurado no âmbito da 12ª Promotoria de Justiça de Mossoró constatou que, após a publicado do provimento do CNJ, já houve na cidade três casos do reconhecimento socioafetivo de paternidade ou maternidade de crianças, sendo todas elas de tenra idade, e, em dois desses feitos administrativos, os petizes tinham menos de um ano de idade. Outro detalhe é que o reconhecimento se deu por pretendentes oriundos da região Sudeste do país, que se deslocaram até Mossoró para realizar o referido ato jurídico.
Para o promotor de Justiça Sasha Alves do Amaral, que assina a recomendação, o Provimento entrega a decisão em torno de uma causa com contornos não só jurídicos, mas também sociais, educacionais e psicológicos, para a esfera única de análise do oficial de cartório. A medida retira de cena a análise por parte da Justiça especializada da infância, a qual atua com o apoio de equipe técnica interdisciplinar, conforme preconiza o Estatuto da Criança e do Adolescente. “Há o grande risco de esse ato permitir a instrumentalização das mulheres gestantes em prol do interesse de terceiras pessoas, com as quais não tinha vínculo anterior algum”, destaca.
Com esses elementos, o MPRN destaca a necessidade de se tomar medidas de caráter emergencial, “dado o precedente aberto pelo ato da Corregedoria Nacional de Justiça, que, como visto, vem gerando efeitos jurídicos imediatos na vida de crianças e adolescentes – e isso à margem de qualquer debate legislativo prévio e de análise judicial e interdisciplinar”, destaca trecho da recomendação.
Ainda de acordo com a recomendação ministerial, existe “maior preocupação com a higidez de títulos de propriedade imobiliária do que com a situação existencial de crianças e adolescentes, ao dispensar, quanto a esta, manifestação de profissionais especializados, representa sinal da forte influência que o patrimonialismo ainda exerce nas práticas jurídicas brasileiras, herança de um passado colonial, com longo histórico de violações sistemáticas e institucionalizadas a direitos humanos”.