O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) autorizou o Ministério dos Transportes a retomar o terreno da antiga rodoferroviária de Brasília, avaliado em cerca de R$ 40 bilhões, atualmente sob posse do Exército. A área, com 4,244 milhões de metros quadrados — equivalente a quase três vezes o tamanho do parque Ibirapuera, em São Paulo —, é considerada uma das mais valiosas do Distrito Federal e está localizada a cerca de nove quilômetros do Congresso Nacional.
Segundo informações obtidas pela Folha de S.Paulo, a decisão foi tomada após reunião entre Lula e os ministros Renan Filho (Transportes) e Esther Dweck (Gestão e Inovação). O presidente deu aval para que o governo anule os atos que repassaram o terreno aos militares e siga com o projeto de uso da área.
O plano do Ministério dos Transportes é conceder o espaço por meio de leilão, vinculando a exploração imobiliária à construção de ferrovias. O modelo segue o padrão “real estate”, no qual a concessão ferroviária é associada ao desenvolvimento urbano no entorno das estações. O projeto prevê o uso da área para financiar o Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) entre Brasília e Luziânia (GO), com 62 km de extensão, e outros cinco trajetos de passageiros em diferentes estados.
As futuras concessões incluem os trechos Londrina–Maringá (PR), com 133 km; Rio Grande–Pelotas (RS), com 64 km; Fortaleza–Sobral (CE); São Luís–Itapecuru Mirim (MA); e Salvador–Camaçari–Feira de Santana (BA). Os editais estão previstos para 2026.
O governo federal afirma que não é contrário à construção de um hospital militar e de uma nova Escola de Sargentos do Exército, mas considera que a decisão sobre o destino da área cabe à União, não à Força. A gestão pretende usar os recursos da concessão para expandir o transporte ferroviário de passageiros no país.
A disputa pela posse começou quando o Ministério dos Transportes foi informado de que o terreno, originalmente vinculado ao Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), havia sido cedido ao Exército pela Secretaria do Patrimônio da União (SPU) em 2021. A pasta contesta a legalidade da cessão e acionou a Advocacia-Geral da União (AGU) e a Controladoria-Geral da União (CGU), que abriram um processo conjunto para revisar o termo e fazer a reintegração da posse. O processo está em fase de conclusão, e o governo proibiu qualquer intervenção física no local.
O Exército, em nota, afirmou que a área foi entregue à Força em 2006, por meio de um termo firmado com a SPU. Segundo os militares, em 2021 houve apenas o início de “tratativas com o Governo do Distrito Federal” sobre a divisão do terreno para construção do hospital militar. A instituição declarou ainda que o imóvel faz parte do “planejamento estratégico do Exército, por meio de uma manobra patrimonial, para fins da implantação da nova Escola de Sargentos do Exército, em Recife-PE, e do já mencionado hospital militar, em Brasília-DF.”
O GDF informou que não há definição sobre o uso da área e que qualquer destinação dependerá da apresentação de um Plano de Ocupação. A gestão local também afirmou que não criou oficialmente o “Setor Oeste”, nome mencionado em discussões urbanísticas sobre o terreno.
O Ministério da Gestão e Inovação afirmou que as pastas envolvidas seguem em diálogo técnico “ainda sem definição sobre o tema” e que parte da área permanece sob gestão do Exército. A ministra Esther Dweck manifestou interesse em participar da definição do modelo de uso após a devolução do terreno, com o objetivo de criar um fundo imobiliário com imóveis da União. Já o Ministério dos Transportes defende que os recursos sejam aplicados diretamente em ferrovias.
O ministro da Defesa, José Múcio, não comentou o caso, mas, segundo auxiliares, tem buscado uma solução de consenso, por considerar o tema sensível para o Exército. A decisão de retomada da área, no entanto, já foi tomada e a medição do terreno foi concluída pelos técnicos do governo.
As discussões ocorrem enquanto o governo Lula negocia no Congresso uma proposta que prevê R$ 5 bilhões anuais em investimentos para as Forças Armadas, fora do limite da meta fiscal. A iniciativa foi elaborada pelo Ministério da Defesa e discutida com Lula, Fernando Haddad (Fazenda) e Rui Costa (Casa Civil).